Bom dia!

Ei, pessoal, este espaço vai ser usado para mantê-los em dia com eventos culturais existentes na nossa cidade e também para passar a resolução de alguns exercícios.
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segunda-feira, 3 de maio de 2010

 Existe em inglês a palavra maze, que significa labirinto ou qualquer arranjo confuso, complicado. Com o acréscimo do prefixo a- (no sentido de determinação de uma forma particular), temos o verbo amaze, que significa surpreender ou espantar. Essa curiosa etimologia chama atenção ao fato de que a língua inglesa preservou o sentido de admiração que um labirinto provoca. Em que consiste essa admiração ou espanto ? Por que um labirinto costuma provocar algum tipo de reação extrema, que vai do medo ao encanto ?

Antes de mais nada, chamo atenção para a existência de duas formas de labirinto. A primeira, histórica, é aquela na qual o labirinto tem um centro, e a finalidade é justamente atingi-lo. Desde a Antiguidade, essa busca e nada menos que a busca pelo sentido: um ponto fixo que, após atingido, provocaria o fim das angústias. A partir da época clássica, esse sentido só pode ser o conhecimento de si mesmo. A tarefa é árdua e implica em perigos, há monstros caminhando pelo labirinto. A lenda do Minotauro é bem a gosto dos gregos, da mesma forma que a Odisséia, na qual Ulisses, perdido em meio a mares e ilhas e lidando com mil perigos, jamais abandona o projeto de retornar ao seu lar mítico, o reino de Ítaca, centro de seu labirinto pessoal.

A tradição cristã incorporou a forma do labirinto, colocando em seu centro nada menos que a salvação. Alguns homens do Renascimento, como Leonardo da Vinci, impregnados de cultura grega, identificavam na busca da salvação o ideal socrático da busca de si mesmo. E brincavam com isso, jogando com a forma do labirinto como, por exemplo, no teto do Palazzo Ducale da cidade de Mantova (imagem acima), desenhado por da Vinci, que certamente deixou amazed todos que o viram. Mais tarde, labirintos foram erguidos em jardins, para deleite da aristocracia do Antigo Regime.

Porém, existe uma outra forma de labirinto que se popularizou, talvez, a partir do século XIX. Essa segunda forma de labirinto – vamos chamá-lo de labirinto moderno – é aquela na qual entra-se por um lado e sai por outro. Ou seja, o objetivo não é mais atingir o centro, o sentido, mas sim a saída. Suas dificuldades serão superadas, há uma saída que leva necessariamente a algum lugar. Mas este não pode mais ser considerado o centro, o lugar de repouso e equilíbrio, o lar que encerra as dúvidas e incertezas. Além disso, não há monstros no labirinto moderno, o grande terror é simplesmente não encontrar a saída, permanecer perdido para sempre.

Oras, há uma produção literária copiosa a partir do século XIX que lida com o deslocamento espacial: a viagem de um lugar para outro em busca de alguma coisa, embora o objetivo nunca seja o retorno ao centro, mas o caminhar permanente. Por exemplo, Marlow subindo o rio em o Coração das Trevas ou mesmo Alice descendo ao País das Maravilhas. O Quixote de Cervantes talvez tenha sido um precursor, em sua labiríntica região da Mancha. Borges levou a exploração e descrição dos labirintos ao extremo, leiam, por exemplo, o conto “A Biblioteca de Babel”. Já Fernando Pessoa explodiu seus limites: no Livro do Desassossego, Bernardo Soares transforma o traçado geométrico do bairro da Baixa em Lisboa em um intricado labirinto, que ele percorre sem encontrar nem centro nem saída. Paradoxalmente, o errante Fernando Pessoa encontra-se hoje convertido em estátua, imobilizado em frente a um café lisboeta.

Estranho é o labirinto moderno, porque ele se funda na busca de uma saída que, uma vez encontrada, sugere a seguinte pergunta: e depois ? Pois o caminho prossegue. O que haverá depois da saída ? Talvez uma continuação do labirinto. A forma do labirinto moderno, comparado com o labirinto histórico, indica que a saída é externa ao ser. Assim, ele oculta o fato de que a busca continua, ele oculta o próprio fato de que existe uma busca.

Proponho nada menos que um retorno ao labirinto histórico, com todos seus perigos. Sabemos que todos os perigos desse labirinto estão contidos em nós mesmos. O Minotauro é parte homem, parte monstro: ele constitui a parte monstruosa de cada um de nós. Pois a busca do sentido significa enfrentar nossos próprios monstros, e enfrentá-los, e exorcizá-los se possível. A maior angústia do labirinto histórico é nos colocar diante de nós mesmos, com tudo que somos, como que diante de um espelho.
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