Bom dia!

Ei, pessoal, este espaço vai ser usado para mantê-los em dia com eventos culturais existentes na nossa cidade e também para passar a resolução de alguns exercícios.
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sábado, 8 de maio de 2010

Bom dia!
Hoje pensei em escrever sobre o dia das mães, mas logo desisti pois, muitos deverão fazer isso. Então decidi falar sobre a mulher, assunto delicado, e logo que comecei a por meus pensamentos no papel me veio à lembrança dois textos que havia guardado, tamanha a afinidade de pensamentos. Tomado pela infinita preguiça do final de semana, não tive dúvidas! Vou compartilhar com vocês. Textos de Juan,  naquele dia só anotei o primeiro nome, desculpa.

TRISTEZA



É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Não lembro quando foi a primeira vez que ouvi o Samba da Benção (por Vinicius de Moraes e Baden Powell), mas sei exatamente quando parei para prestar atenção na letra e em seguida chorei feito adulto. As circunstâncias não interessam, mas sim o fato de que se trata de um dos textos mais belos que jamais li. O contraste com Tom Jobim (“Tristeza não tem fim/ Felicidade sim”) é assustador: enquanto Vinicius – o branco mais preto do Brasil – ultrapassa com sua poesia o próprio conceito de tristeza, Jobim fica desfilando uma sucessão de lugares comuns (“A Felicidade é como uma gota de orvalho numa pétala de flor...”), nos fazendo suspeitar que, na verdade, ele não tem a mínima idéia do que está falando. Pois Vinicius já enterra a alegria logo de início, dizendo que é a melhor coisa que existe, para em seguida não mais voltar a falar no assunto. Porque o seu tema é a tristeza, e se não fosse tristeza não haveria o samba, a canção, a poesia. Sem tristeza não haveria arte e é a arte que nos ensina a lidar com essa estranha dimensão do humano que é a tristeza. Lembro de Cruz e Sousa, poeta negro (é curioso como a cor da pele aparece tanto quando se fala do assunto), chamado por Leminski de “Blues e Sousa”, e que como poucos sentiu a violência discriminatória, a dor de ser negro no Brasil. E escreveu: “Mas essa mesma algema de amargura/ Mas essa mesma desventura extrema/ Faz que tu’alma suplicando gema/ E rebente em estrelas de ternura”.

Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Lembro da crítica rasteira, burra, dizendo que Vinicius era um porco machista, que só via na mulher um objeto, “feita apenas para amar” e, pior, “Para sofrer pelo seu amor e pra ser só perdão”. A crítica é uma ciência grave, e que dela se afastem os que não entenderam nada. Na verdade, não existe nada menos machista do que “Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza”, e segue-se a isso uma investigação sobre essa “qualquer coisa” tão misteriosa que as mulheres têm e que os homens desconhecem. Sofrer por amor ? Perdoar ? Que mistérios são esses, que comportamento estranho é esse que as mulheres têm ? E que as faz praticar essas coisas tão estranhas como amar, sofrer, perdoar... No Samba da Benção, Vinicius sugere que a mulher é capaz de uma transcendência, de algo que a coloca em contato com aquelas coisas das quais nós, pobres homens, só conseguimos nos aproximar através da arte. E essa transcendência, na verdade, é uma operação interna: mulheres não “entram em contato”, elas tem essa sensibilidade como parte integrante de seu ser. Talvez seja esse o sentido do “qualquer coisa de triste” que a mulher tem: a tristeza enquanto metáfora de um universo emocional que os homens apenas tateiam e tentam dar forma com suas criações externas, artísticas. Como o samba.

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Hoje em dia pratica-se o culto à alegria. Ao menor sinal de tristeza, surge a suspeita de que isso seja o sintoma de algo pior, e a própria suspeita já mergulha o indivíduo no vórtex que leva à depressão: consulta, tratamento, ingestão de substâncias químicas e, no horizonte, o medo que resulta em pânico. Mas medo de quê, exatamente ? De não ser feliz como devemos ser felizes ? (aliás, a expressão por si só já é assustadora: "dever ser feliz"). Oras, a contemporaneidade elegeu a tristeza como inimigo, mas quem disse que nosso tempo é mais feliz que os outros ? Francisco Bosco, meu filósofo pop preferido, cita a leitura que Delleuze fez de Espinosa. A alegria ocorre quando se dá a realização de uma potência. Um escritor conquista a potência através do domínio da linguagem, um pintor através do domínio das cores e formas, e assim por diante. Portanto, não existe produção artística triste: todo blues melancólico que possui como tema o sofrimento, deixa de ser triste por ser a realização de uma potência. No fundo, a tristeza aponta para alguma coisa misteriosa, para algum lugar certamente dentro de nós mesmos. E no Samba da Benção, Vinicius termina por desvendar todo o mistério da tristeza: o bom samba “é uma forma de oração”, trazendo implícito que a fé e mesmo a esperança estão por trás de toda a tristeza. Pois um dia ela vai deixar de ser triste e, enquanto isso não ocorre, ouvimos um samba.


Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração


ROSTO 

O mito, de origem grega, todos conhecem: Urano (=Céu) nasceu espontaneamente do ventre de Gaia (=Terra), sem ter sido gerado por um pai qualquer. Ambos se casaram e tiveram como filhos seres gigantescos, os Titãs. Urano, ciumento, mantinha os filhos presos dentro da Terra. Gaia, porém, acabou incitando os filhos a se revoltarem contra o pai, e um deles, Cronos (=Tempo) não apenas liderou a luta como acabou castrando o pai e jogando seus testículos no mar. Estes, todavia, acabaram fecundando o mar e foi justamente da espuma das ondas que nasceu Afrodite, a deusa do amor.

Os romanos chamaram-na de Vênus, e foi com esse nome que suas representações plásticas mais elaboradas ficaram conhecidas. Um exemplo expressivo encontra-se na tela de Sandro Boticelli, O Nascimento da Vênus, pintada provavelmente em 1483. Nesta tela Vênus aparece brotando das águas, flutuando sobre uma concha. Tentando fazer bela a sua Vênus, o artista acabou por expressar o ideal universal da beleza renascentista.

Deixo de lado o corpo sinuoso e as ancas largas, me concentro no rosto da Vênus de Boticelli. Seu rosto se aproxima da perfeição, cada parte parece ter sido concebida pelos deuses. Ou melhor, cada parte parece ter sido concebida por um deus que, em seguida, morreu, garantindo que nunca mais tal perfeição seria repetida. Sua boca, ao invés de um traço indistinto, segue as linhas de um “M” muito discreto, com cada curva sutil indicando um lábio carnudo, porém não exagerado. Como se percebe, seu queixo é um pouquinho saltado, insinuando uma sombra entre sua ponta e o lábio inferior. Isso faz do lábio inferior até um pouco mais carnudo que o superior, como nas propagandas de cosméticos de hoje em dia. Os lábios têm a cor mais viva que a do rosto, mas estão longe de um vermelho vibrante ou sensual, limitando-se a perfeição de um rosado vivo.

O nariz da Vênus também é de uma perfeição impressionante: ao mesmo tempo pequeno e delicado, é incapaz de produzir uma sombra sequer no rosto. Imagino que esse nariz seja o modelo de não sei quantas cirurgias plásticas que se fazem por aí. Da mesma forma, os olhos, perfeitos, sem nenhum excesso, sem nenhuma ruga ou pé-de-galinha. São olhos grandes, que exibem como que em wide-screen sua fantástica cor. Na Itália, são chamados de occhi alpini, olhos alpinos, caracterizados por uma cor que não é nem verde e nem castanho, mas um pouco das duas ao mesmo tempo. A pele de sua face é lisa, imagina-se a sua maciez. Nas maçãs do rosto, um rosado muito sutil dá vida ao conjunto.

E aí é que está o ponto. Diante da perfeição das partes, o resultado final é de uma inexpressividade atroz. Me pergunto sinceramente se esse rosto, enquanto conjunto, de fato é belo. Às vezes o certinho é tão sem graça ! Onde está a diferença ? Onde está a forma que foge do modelo idealizado ? Onde está o traço distintivo que provoca a estranheza ? Ou melhor, onde está o traço distintivo que simplesmente provoca ? Brinco de imaginar a personalidade dessa mulher: deve ser uma pessoa sem vontade própria, sem gosto definido, para quem tudo está bom. Sua vida deve dizer “Não sou nada/ Nunca serei nada/ Não preciso ser nada/ Pois tenho em mim toda beleza do mundo”. (continuação: “Espelhos do meu quarto...” e por aí vai).

Outro dia, em uma reunião, perguntaram qual meu tipo de mulher. Trata-se de pergunta recorrente, todos acabam se perguntando, todos ouvem um dia, qual seu tipo de mulher, qual seu tipo de homem. Será que existe mesmo isso, um tipo de beleza que buscamos e com o qual um dia nos identificamos (e daí provavelmente partimos em busca do pleno êxtase amoroso) ? Duvido. Ao idealizarmos um tipo, acabamos criando modelos que, quando encontrados, jamais provocarão o encantamento: nós já sabemos como eles são. Diga o que quiser, critérios de beleza são, ao mesmo tempo, subjetivos e particulares. Subjetivos, porque cada um tem o seu; como decorrência, são particulares, pois não existe uma “beleza universal”. O meu critério de beleza é só meu, e eu sequer o conheço, limito-me a ficar alegremente surpreso quando de repente cruzo com ela.

Por outro lado, critérios dominantes que apontam para um modelo universal de beleza até existem, mas não lidam com o mundo real. E quando invadem a realidade provocam terror: não existe nada mais assustador do que cruzar com uma Barbie de carne e osso. E silicone.

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