Bom dia!

Ei, pessoal, este espaço vai ser usado para mantê-los em dia com eventos culturais existentes na nossa cidade e também para passar a resolução de alguns exercícios.
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domingo, 30 de maio de 2010

PRINCÍPIOS


Bom dia!
Em uma semana onde o colégio viveu um clima de cultura e atividades diversas, devido aos preparativos da Mega Festa, homenageando São Paulo por meio de suas músicas, me fez observar com mais atenção o fato que, gostamos de ouvir histórias.
Gostamos de ver. Temos prazer em assistir. Platão, do seu jeito, já observou isso no livro V de A República, dizendo que todas as pessoas gostam de ver os espetáculos, os coros e as festas dionisíacas. Se forem deixadas em paz, as pessoas passarão toda a vida assistindo e, cá entre nos, na sua passagem mais famosa, Platão nos aponta para os pobres coitados no fundo da caverna, acorrentados mas incapazes de reagir, uma vez que estão entretidos com as sombras que passeiam pela parede.

De onde vem esse estranho encanto ? De onde vem esse sentimento agradável que sentimos, por exemplo, quando se apagam as luzes do cinema ? Mas não se trata apenas de ver, gostamos também de ouvir histórias. Penso no prazer que temos quando sentamos com os amigos, em uma reunião, e nos preparamos para ouvir uma historia bem contada. (Nessas horas, às vezes até nos ajeitamos na cadeira para – estranho – ouvir melhor). Talvez gostemos de ver e ouvir porque temos o hábito de sempre nos situar dentro da historia, ou seja, de nos projetar no lugar dos protagonistas, avaliando nossas possíveis reações e comparando-as com as ações dos personagens de uma narrativa que se desenrola diante de nos. Assim, toda história nos coloca diante de um grande espelho.

[Interlúdio. No meu cotidiano, cruzo com isso o tempo todo, ganho meu pão enunciando discursos para audiências não muito grandes, com graus de interesse diversos. Periodicamente, para ilustrar o que digo, conto uma historia pessoal. É quando ocorre a mágica: o interesse é redobrado, o silêncio torna-se maior do que o de costume. As canetas são largadas e todos olhares se erguem dos cadernos e dirigem-se aos meus olhos. O interesse é maior e as reações são mais autênticas quando a história se aproxima da vivência dos que me ouvem, ou seja, quando falo de minha experiência de vida escolar, familiar ou de vestibular.]

Há certos tipos de histórias que me encantam. Pouco comuns, são histórias – reais – cujo enredo de alguma forma me fascina. Por exemplo, aquelas histórias envolvendo pessoas que optam por permanecer totalmente passivas diante da vida. Não estou pensando em pessoas miseráveis, sem oportunidades, cujo nada fazer é sobretudo uma imposição, mas sim daquelas pessoas que têm todas as oportunidades na vida, seja no estudo ou no trabalho, mas que acabam optando por não fazer nada, absolutamente nada. Recentemente ouvi a história de um jovem que conheci anos atrás. Me contaram que ele parou de estudar, sequer fez cursinho, e mais tarde abandonou um curso técnico pela metade. Hoje, homem feito, não faz nada. Mora com a mãe e todos os dias acorda pela manha sem ter absolutamente nenhuma obrigação. Em seguida, sai de casa e vai arrumar algo para fazer, visitar um amigo no trabalho, lavar um carro, assistir futebol amador. Às vezes, pede 10 reais emprestado para alguém.

Impossível não lembrar do Bartleby, de Herman Melville, o homem que decidiu dizer não. Pois esses adoráveis ociosos levam a negação às últimas conseqüências. São, muitas vezes, tragédias familiares (“Aquele seu primo ? É um vagabundo”), mas eles quase sempre se tornam pessoas de boa índole, jamais mal-humoradas. Afinal, se não há trabalho nem obrigações financeiras, que motivo resta para irritação ?

Existe, todavia, um outro tipo de história que me fascina e talvez isso seja francamente perturbador. Refiro-me àquelas pessoas, quase sempre homens, quase sempre profissionais corretos e ao mesmo tempo pais dedicados e maridos atenciosos, que, ao final da vida, descobre-se serem chefes de duas famílias. Não são pessoas vulgares, daquelas que mantém uma amante ou um caso permanente, mas sim duas famílias, estruturadas e organizadas como tal.

Imagino o grau infinito de tensão que esses bígamos vivem, tentando articular compromissos, natais, aniversários, presentes e datas comemorativas. Obrigações escolares junto aos filhos, festas de empresa, além do convívio com sogras em dobro, parentes em dobro, isso para não falar de como justificar ou ocultar essa história dos próprios pais e irmãos. Esses bígamos são pessoas que criam a sua própria moral - além do bem e do mal - e vivem em função do segredo, de uma ética na qual a mentira se justifica. Contrariam os costumes, para não falar da lei. Claro, novamente estamos falando de uma tragédia familiar. O que diriam os filhos desses bígamos após descobrirem a verdade ? E suas mulheres ?

Tanto no caso dos ociosos quanto dos bigamos, não considero seriamente suas opções. Em princípio, tenho um punhado de princípios, seja no que se refere ao trabalho ou ao universo afetivo. Mas de alguma forma os invejo, não pelos seus atos em si, mas pelo que neles existe de inconformismo, de revolta surda diante de uma vida cujo roteiro já está previamente estabelecido. São pessoas que tem coragem de dizer não e de criar seus próprios valores. E aqui encontro mais um fator que me explica porque gostamos tanto de ouvir histórias: porque elas nos colocam em contato com vontades perturbadoras que talvez jamais sejam realizadas.

domingo, 23 de maio de 2010

PENSAMENTOS



Bom dia!
Hoje acordei meio virado e quando fico assim começo a viajar nos pensamentos. Não sei o porquê disso, mas sem mais nem menos me ponho a desenvolver uma idéia.
Hoje me dei conta que a memória não é o que sempre pensei que fosse e que as pessoas, em geral, pensam que é.
Achamos que memória é a faculdade que nos permite lembrar de fatos do passado; ter memória é ser capaz de evocar o que já ocorreu e se foi. Mas percebi que não é só isso: a memória é constitutiva do presente, é parte dele.
Não estou dizendo que nós, de certo modo, somos também nosso passado, que o agora é feito do que houve antes. Quem sabe mas, de qualquer modo não é isso que estou pensando.
Estou tentando dizer que só consigo abrir o meu portão porque me lembro como se faz para abri-lo, me lembro qual é a chave e, o que devo fazer para entrar em casa; só escrevo aqui porque me lembro o que significa a palavra "lembro", a letra "A", "B", enfim, a gente faz e raciocina porque lembra. Certamante, cientistas e filósofos já sabem disso, já falaram disso. Não pretendo assim ter descoberto a pólvora mas, como já disse, hoje acordei descobrindo o que já sabia, mas esqueci ou não lhe dei a devida importância.
Estou surpreendido com o óbvio e, ao fazê-lo, ficou surpreendente, pelo menos para mim. Assim é que estou maravilhado com a minha descoberta de que a memória é parte do presente que vivo e não apenas do passado que vivi.
E aí começaram a fluir os pensamentos, tais como, que diferença há entre a memória que nos traz o passado distante e a que, sem nos darmos conta, nos permite abrir o portão.
Temos, em nós, um depósito de memórias afetivas, guardadas em nosso esquecimento, porque não queremos reviver a dor que nos causaram ou o que é uma placa sensível que tudo registra e exibe quando situações determinam?
Seria o caso do biscoito champanhe que Proust mastigou após molhá-lo no chá, apenas uma modalidade de lembrança que não se diferencia essencialmente desta lembrança banal que nos faz saber que a palavra memória começa com "M"?
Nesta descoberta da memória como sendo outra coisa qua a preservação do passado, teríamos o que então?
Olhe, no instante mesmo em que corto o bife no prato, faço-o porque me lembro de como se corta o bife, usando garfo e faca, algo que, aos dois anos de idade, não conseguia fazer, porque ainda não aprendera a usar talher.
E o que é o aprendizado, senão memória? E essa memória está de certa forma inserida no presente, que é parte constitutiva dele: fazer é lembrar como fazer, sem se dar conta de que se lembra. E mais: a memória não apenas nos permite fazer por já sabermos como nos ajuda a descobrir novos modos de fazer, corrigindo o sabido, e assim constrói o futuro.
Suponhamos que vou escrever um texto que, porque ainda não o escrevi, não sei como será: estou entregue ao jogo do acaso e da necessidade. O tema é o sorriso da moça que vi na rua, há pouco, mas o texto por fazer é futuro, futuro que, sem o sorriso lembrado, jamais seria inventado.
É aí que viajo nos pensamentos, ao constatar que a memória nos ajuda a inventar a vida, a guardar o passado, que, aumenta a cada segundo.
A vida é também lembrar sem se dar conta disso.
Então há mais que um tipo de memória: aquela do biscoito proustiano, em que lembro consciente de que lembro e que, ao contrário daquela outra memória, ocupa o presente e o torna apenas lembrança e outro - ou outros - que, em vez de negá-lo, o constitui: ao cortar o bife estou inteiro neste ato presente, sou inteiramente atual, como a memória que está a serviço dele e é ele.
Se é impossível pensar sem nada saber, é que só é possível pensar graças à memória. Mas pensar é quase sempre inventar o que se pensa.
Por exemplo, foi por saber o que era memória que percebi que ela era mais do que eu sabia dela. Assim, a descobri como constitutiva do presente, donde se conclui que eu só posso superar o que já sei e não o que ainda não sei, que, por sabê-lo, não é memória, mas se tornará assim que o conheça.
A memória me permite inventar o futuro de que me lembrarei, como passado, futuramente.
Entendeu? Se não, releia o texto pacientemente, pois é possível que consiga...É o que vou fazer agora.









quarta-feira, 19 de maio de 2010

9º ano do Ens. Fund. ll

Páginas B35 e B36 - Apostila 1. Resposta dos exercícios 33 a 50.


segunda-feira, 17 de maio de 2010

3º Ano do E.M.

Páginas A39, A40, e A41 - Apostila 1. Resolução dos exercícios 1 a 21. 
Bons estudos!
 

sábado, 15 de maio de 2010

RETROCESSO


Bom dia!
Esta semana foi marcada pela convocação dos jogadores que defenderão a seleção na copa da África do Sul.
Não é meu esporte predileto, mas vou dar a minha opinião sobre o assunto, afinal nesta época viramos todos técnicos da "Amarelinha".
Fiquei na expectativa da convocação e, logo que foi divulgada me veio uma preocupação, nem tanto pela escolha óbvia e enercial dos jogadores, mas pelo discurso patrioteiro de Dunga. As justificativas do treinador pelas suas opções me fizeram retroceder aos piores anos da ditadura militar.
No mais escancarado estilo "Ame-o ou deixe-o", o que entendi do discurso de Dunga, foi: quem não gosta da minha seleção não gosta do Brasil. Então quem é contra tem que ser tratado como inimigo da pátria.
Na visão da comissão técnica, jogar na seleção é como fazer serviço militar, e a Copa do Mundo é uma guerra suja, como todas as guerras. Discordo.
Copa do Mundo, para mim, é ou deveria ser o momento em que os melhores jogadores do planeta, defendendo seus respectivos países, fazem um maravilhoso espetáculo esportivo. É, ou deveria ser, um espaço de arte e encantamento, em que o futebol deveria mostrar porque é considerado o esporte mais amado do planeta.
Foi nesse Olimpo transitório, que brilharam Pelé, Garrincha, Cruyff, Eusébio, Platini, Maradona, Ronaldo, Zidane,...
Deixar de fora os jogadores mais talentosos do país, em favor dos mais disciplinados e leais ao chefe, é um crime contra o próprio futebol e uma traição ao nosso jeito de jogar bola.
Vários países recorrem a brasileiros para poder formar as suas seleções, aqui a renovação é natural, continuamente surgem novos craques. E por conta de um patriotismo rançoso e retrógado os desperdiça.
Quem melhor escreveu, a meu ver, sobre a dimensão política e cultural da convocação foi Fernando Barros e Silva. Transcrevo aqui um trecho de seu texto.
"O clamor patriótico de Dunga parece ser sincero (o que não o torna melhor), mas também soa oportunista e marqueteiro quando se sabe que ele próprio o utiliza para vender cerveja a preço de ouro numa campanha de TV em que aparece berrando bordões do tipo 'eu quero raça!'. Vender a alma não é isso? Há um jeito esclarecido, cosmopolita, de gostar do Brasil. E há um patriotismo tosco, burrinho, que costuma servir de válvula de escape para pendores autoritários e fanatismos afins. Em seus piores momentos, é esse o sentimento que o futebol mobiliza e atrai."
Apenas acrescento um diálogo entre os narradores do jogo Grêmio e Santos, (4x3).
---"Pelo jeito, o Ganso não sentiu o fato de não ter sido convocado"
---"Quem vai sentir o fato de ele não ter sido convocado somos nós"
Dificilmente veremos, na Copa, um jogo tão maravilhoso quanto este.



sábado, 8 de maio de 2010

Bom dia!
Hoje pensei em escrever sobre o dia das mães, mas logo desisti pois, muitos deverão fazer isso. Então decidi falar sobre a mulher, assunto delicado, e logo que comecei a por meus pensamentos no papel me veio à lembrança dois textos que havia guardado, tamanha a afinidade de pensamentos. Tomado pela infinita preguiça do final de semana, não tive dúvidas! Vou compartilhar com vocês. Textos de Juan,  naquele dia só anotei o primeiro nome, desculpa.

TRISTEZA



É melhor ser alegre que ser triste
Alegria é a melhor coisa que existe
É assim como a luz no coração
Mas pra fazer um samba com beleza
É preciso um bocado de tristeza
Senão, não se faz um samba não
Não lembro quando foi a primeira vez que ouvi o Samba da Benção (por Vinicius de Moraes e Baden Powell), mas sei exatamente quando parei para prestar atenção na letra e em seguida chorei feito adulto. As circunstâncias não interessam, mas sim o fato de que se trata de um dos textos mais belos que jamais li. O contraste com Tom Jobim (“Tristeza não tem fim/ Felicidade sim”) é assustador: enquanto Vinicius – o branco mais preto do Brasil – ultrapassa com sua poesia o próprio conceito de tristeza, Jobim fica desfilando uma sucessão de lugares comuns (“A Felicidade é como uma gota de orvalho numa pétala de flor...”), nos fazendo suspeitar que, na verdade, ele não tem a mínima idéia do que está falando. Pois Vinicius já enterra a alegria logo de início, dizendo que é a melhor coisa que existe, para em seguida não mais voltar a falar no assunto. Porque o seu tema é a tristeza, e se não fosse tristeza não haveria o samba, a canção, a poesia. Sem tristeza não haveria arte e é a arte que nos ensina a lidar com essa estranha dimensão do humano que é a tristeza. Lembro de Cruz e Sousa, poeta negro (é curioso como a cor da pele aparece tanto quando se fala do assunto), chamado por Leminski de “Blues e Sousa”, e que como poucos sentiu a violência discriminatória, a dor de ser negro no Brasil. E escreveu: “Mas essa mesma algema de amargura/ Mas essa mesma desventura extrema/ Faz que tu’alma suplicando gema/ E rebente em estrelas de ternura”.

Senão, não se faz um samba não
Senão é como amar uma mulher só linda
E daí? Uma mulher tem que ter
Qualquer coisa além de beleza
Qualquer coisa de triste
Qualquer coisa que chora
Qualquer coisa que sente saudade
Um molejo de amor machucado
Uma beleza que vem da tristeza
De se saber mulher
Feita apenas para amar
Para sofrer pelo seu amor
E pra ser só perdão
Lembro da crítica rasteira, burra, dizendo que Vinicius era um porco machista, que só via na mulher um objeto, “feita apenas para amar” e, pior, “Para sofrer pelo seu amor e pra ser só perdão”. A crítica é uma ciência grave, e que dela se afastem os que não entenderam nada. Na verdade, não existe nada menos machista do que “Uma mulher tem que ter qualquer coisa além da beleza”, e segue-se a isso uma investigação sobre essa “qualquer coisa” tão misteriosa que as mulheres têm e que os homens desconhecem. Sofrer por amor ? Perdoar ? Que mistérios são esses, que comportamento estranho é esse que as mulheres têm ? E que as faz praticar essas coisas tão estranhas como amar, sofrer, perdoar... No Samba da Benção, Vinicius sugere que a mulher é capaz de uma transcendência, de algo que a coloca em contato com aquelas coisas das quais nós, pobres homens, só conseguimos nos aproximar através da arte. E essa transcendência, na verdade, é uma operação interna: mulheres não “entram em contato”, elas tem essa sensibilidade como parte integrante de seu ser. Talvez seja esse o sentido do “qualquer coisa de triste” que a mulher tem: a tristeza enquanto metáfora de um universo emocional que os homens apenas tateiam e tentam dar forma com suas criações externas, artísticas. Como o samba.

Fazer samba não é contar piada
E quem faz samba assim não é de nada
O bom samba é uma forma de oração
Porque o samba é a tristeza que balança
E a tristeza tem sempre uma esperança
A tristeza tem sempre uma esperança
De um dia não ser mais triste não
Hoje em dia pratica-se o culto à alegria. Ao menor sinal de tristeza, surge a suspeita de que isso seja o sintoma de algo pior, e a própria suspeita já mergulha o indivíduo no vórtex que leva à depressão: consulta, tratamento, ingestão de substâncias químicas e, no horizonte, o medo que resulta em pânico. Mas medo de quê, exatamente ? De não ser feliz como devemos ser felizes ? (aliás, a expressão por si só já é assustadora: "dever ser feliz"). Oras, a contemporaneidade elegeu a tristeza como inimigo, mas quem disse que nosso tempo é mais feliz que os outros ? Francisco Bosco, meu filósofo pop preferido, cita a leitura que Delleuze fez de Espinosa. A alegria ocorre quando se dá a realização de uma potência. Um escritor conquista a potência através do domínio da linguagem, um pintor através do domínio das cores e formas, e assim por diante. Portanto, não existe produção artística triste: todo blues melancólico que possui como tema o sofrimento, deixa de ser triste por ser a realização de uma potência. No fundo, a tristeza aponta para alguma coisa misteriosa, para algum lugar certamente dentro de nós mesmos. E no Samba da Benção, Vinicius termina por desvendar todo o mistério da tristeza: o bom samba “é uma forma de oração”, trazendo implícito que a fé e mesmo a esperança estão por trás de toda a tristeza. Pois um dia ela vai deixar de ser triste e, enquanto isso não ocorre, ouvimos um samba.


Porque o samba nasceu lá na Bahia
E se hoje ele é branco na poesia
Se hoje ele é branco na poesia
Ele é negro demais no coração


ROSTO 

O mito, de origem grega, todos conhecem: Urano (=Céu) nasceu espontaneamente do ventre de Gaia (=Terra), sem ter sido gerado por um pai qualquer. Ambos se casaram e tiveram como filhos seres gigantescos, os Titãs. Urano, ciumento, mantinha os filhos presos dentro da Terra. Gaia, porém, acabou incitando os filhos a se revoltarem contra o pai, e um deles, Cronos (=Tempo) não apenas liderou a luta como acabou castrando o pai e jogando seus testículos no mar. Estes, todavia, acabaram fecundando o mar e foi justamente da espuma das ondas que nasceu Afrodite, a deusa do amor.

Os romanos chamaram-na de Vênus, e foi com esse nome que suas representações plásticas mais elaboradas ficaram conhecidas. Um exemplo expressivo encontra-se na tela de Sandro Boticelli, O Nascimento da Vênus, pintada provavelmente em 1483. Nesta tela Vênus aparece brotando das águas, flutuando sobre uma concha. Tentando fazer bela a sua Vênus, o artista acabou por expressar o ideal universal da beleza renascentista.

Deixo de lado o corpo sinuoso e as ancas largas, me concentro no rosto da Vênus de Boticelli. Seu rosto se aproxima da perfeição, cada parte parece ter sido concebida pelos deuses. Ou melhor, cada parte parece ter sido concebida por um deus que, em seguida, morreu, garantindo que nunca mais tal perfeição seria repetida. Sua boca, ao invés de um traço indistinto, segue as linhas de um “M” muito discreto, com cada curva sutil indicando um lábio carnudo, porém não exagerado. Como se percebe, seu queixo é um pouquinho saltado, insinuando uma sombra entre sua ponta e o lábio inferior. Isso faz do lábio inferior até um pouco mais carnudo que o superior, como nas propagandas de cosméticos de hoje em dia. Os lábios têm a cor mais viva que a do rosto, mas estão longe de um vermelho vibrante ou sensual, limitando-se a perfeição de um rosado vivo.

O nariz da Vênus também é de uma perfeição impressionante: ao mesmo tempo pequeno e delicado, é incapaz de produzir uma sombra sequer no rosto. Imagino que esse nariz seja o modelo de não sei quantas cirurgias plásticas que se fazem por aí. Da mesma forma, os olhos, perfeitos, sem nenhum excesso, sem nenhuma ruga ou pé-de-galinha. São olhos grandes, que exibem como que em wide-screen sua fantástica cor. Na Itália, são chamados de occhi alpini, olhos alpinos, caracterizados por uma cor que não é nem verde e nem castanho, mas um pouco das duas ao mesmo tempo. A pele de sua face é lisa, imagina-se a sua maciez. Nas maçãs do rosto, um rosado muito sutil dá vida ao conjunto.

E aí é que está o ponto. Diante da perfeição das partes, o resultado final é de uma inexpressividade atroz. Me pergunto sinceramente se esse rosto, enquanto conjunto, de fato é belo. Às vezes o certinho é tão sem graça ! Onde está a diferença ? Onde está a forma que foge do modelo idealizado ? Onde está o traço distintivo que provoca a estranheza ? Ou melhor, onde está o traço distintivo que simplesmente provoca ? Brinco de imaginar a personalidade dessa mulher: deve ser uma pessoa sem vontade própria, sem gosto definido, para quem tudo está bom. Sua vida deve dizer “Não sou nada/ Nunca serei nada/ Não preciso ser nada/ Pois tenho em mim toda beleza do mundo”. (continuação: “Espelhos do meu quarto...” e por aí vai).

Outro dia, em uma reunião, perguntaram qual meu tipo de mulher. Trata-se de pergunta recorrente, todos acabam se perguntando, todos ouvem um dia, qual seu tipo de mulher, qual seu tipo de homem. Será que existe mesmo isso, um tipo de beleza que buscamos e com o qual um dia nos identificamos (e daí provavelmente partimos em busca do pleno êxtase amoroso) ? Duvido. Ao idealizarmos um tipo, acabamos criando modelos que, quando encontrados, jamais provocarão o encantamento: nós já sabemos como eles são. Diga o que quiser, critérios de beleza são, ao mesmo tempo, subjetivos e particulares. Subjetivos, porque cada um tem o seu; como decorrência, são particulares, pois não existe uma “beleza universal”. O meu critério de beleza é só meu, e eu sequer o conheço, limito-me a ficar alegremente surpreso quando de repente cruzo com ela.

Por outro lado, critérios dominantes que apontam para um modelo universal de beleza até existem, mas não lidam com o mundo real. E quando invadem a realidade provocam terror: não existe nada mais assustador do que cruzar com uma Barbie de carne e osso. E silicone.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

 Existe em inglês a palavra maze, que significa labirinto ou qualquer arranjo confuso, complicado. Com o acréscimo do prefixo a- (no sentido de determinação de uma forma particular), temos o verbo amaze, que significa surpreender ou espantar. Essa curiosa etimologia chama atenção ao fato de que a língua inglesa preservou o sentido de admiração que um labirinto provoca. Em que consiste essa admiração ou espanto ? Por que um labirinto costuma provocar algum tipo de reação extrema, que vai do medo ao encanto ?

Antes de mais nada, chamo atenção para a existência de duas formas de labirinto. A primeira, histórica, é aquela na qual o labirinto tem um centro, e a finalidade é justamente atingi-lo. Desde a Antiguidade, essa busca e nada menos que a busca pelo sentido: um ponto fixo que, após atingido, provocaria o fim das angústias. A partir da época clássica, esse sentido só pode ser o conhecimento de si mesmo. A tarefa é árdua e implica em perigos, há monstros caminhando pelo labirinto. A lenda do Minotauro é bem a gosto dos gregos, da mesma forma que a Odisséia, na qual Ulisses, perdido em meio a mares e ilhas e lidando com mil perigos, jamais abandona o projeto de retornar ao seu lar mítico, o reino de Ítaca, centro de seu labirinto pessoal.

A tradição cristã incorporou a forma do labirinto, colocando em seu centro nada menos que a salvação. Alguns homens do Renascimento, como Leonardo da Vinci, impregnados de cultura grega, identificavam na busca da salvação o ideal socrático da busca de si mesmo. E brincavam com isso, jogando com a forma do labirinto como, por exemplo, no teto do Palazzo Ducale da cidade de Mantova (imagem acima), desenhado por da Vinci, que certamente deixou amazed todos que o viram. Mais tarde, labirintos foram erguidos em jardins, para deleite da aristocracia do Antigo Regime.

Porém, existe uma outra forma de labirinto que se popularizou, talvez, a partir do século XIX. Essa segunda forma de labirinto – vamos chamá-lo de labirinto moderno – é aquela na qual entra-se por um lado e sai por outro. Ou seja, o objetivo não é mais atingir o centro, o sentido, mas sim a saída. Suas dificuldades serão superadas, há uma saída que leva necessariamente a algum lugar. Mas este não pode mais ser considerado o centro, o lugar de repouso e equilíbrio, o lar que encerra as dúvidas e incertezas. Além disso, não há monstros no labirinto moderno, o grande terror é simplesmente não encontrar a saída, permanecer perdido para sempre.

Oras, há uma produção literária copiosa a partir do século XIX que lida com o deslocamento espacial: a viagem de um lugar para outro em busca de alguma coisa, embora o objetivo nunca seja o retorno ao centro, mas o caminhar permanente. Por exemplo, Marlow subindo o rio em o Coração das Trevas ou mesmo Alice descendo ao País das Maravilhas. O Quixote de Cervantes talvez tenha sido um precursor, em sua labiríntica região da Mancha. Borges levou a exploração e descrição dos labirintos ao extremo, leiam, por exemplo, o conto “A Biblioteca de Babel”. Já Fernando Pessoa explodiu seus limites: no Livro do Desassossego, Bernardo Soares transforma o traçado geométrico do bairro da Baixa em Lisboa em um intricado labirinto, que ele percorre sem encontrar nem centro nem saída. Paradoxalmente, o errante Fernando Pessoa encontra-se hoje convertido em estátua, imobilizado em frente a um café lisboeta.

Estranho é o labirinto moderno, porque ele se funda na busca de uma saída que, uma vez encontrada, sugere a seguinte pergunta: e depois ? Pois o caminho prossegue. O que haverá depois da saída ? Talvez uma continuação do labirinto. A forma do labirinto moderno, comparado com o labirinto histórico, indica que a saída é externa ao ser. Assim, ele oculta o fato de que a busca continua, ele oculta o próprio fato de que existe uma busca.

Proponho nada menos que um retorno ao labirinto histórico, com todos seus perigos. Sabemos que todos os perigos desse labirinto estão contidos em nós mesmos. O Minotauro é parte homem, parte monstro: ele constitui a parte monstruosa de cada um de nós. Pois a busca do sentido significa enfrentar nossos próprios monstros, e enfrentá-los, e exorcizá-los se possível. A maior angústia do labirinto histórico é nos colocar diante de nós mesmos, com tudo que somos, como que diante de um espelho.
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